Extraído do planetagibi
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quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Jorge Kato † 75 Anos
Morreu nesta semana Jorge Kato, o precursor dos quadrinhos Disney no Brasil. Kato foi o autor de Papai Noel por Acaso, a primeira HQ Disney feita por um brasileiro, publicada em O PATO DONALD #424, em 22 de dezembro de 1959. E deu vida a mais de uma centena de outras produções semelhantes, trabalhando só ou lado de outros grandes nomes brasileiros, como Ivan Saidenberg, Waldyr Igayara e Júlio de Andrade Filho. O artista foi o primeiro a dirigir a famosa Escolinha Disney, montada pela Abril no início dos anos 1970, cuja missão era formar roteiristas, desenhistas e arte-finalistas para suprir a demanda de produção nacional, e que depois passaria para as mãos de Primaggio Mantovi.
A ESTREIA NOS QUADRINHOS DISNEY
Papai Noel por Acaso é leitura obrigatória para todo fã e leitor de quadrinhos Disney. Mas para encontrar esta raridade é preciso vasculhar sebos e lojas virtuais: há muito tempo ela não é reeditada.
Suas doze páginas impressionam pelo traço. Considerando que se tratava de uma estreia, Kato desenhou os patos muito bem e mostrou que igualmente conhecia Patópolis e seus habitantes. Parecia que o artista vinha para ficar. E ficou, alegrando-nos por muitos anos e grafando definitivamente seu nome na História das histórias em quadrinhos do Brasil.
É lugar comum dizer que muitos artistas bebem na fonte de Carl Barks. Basta dar uma boa olhada, por exemplo, em Os Filhos do Sol, o debut disneyano de Don Rosa, para notar vários quadrinhos inspirados em HQs de Barks — alguns até parecem meras reproduções.
Pois, assim como em O Trenzinho da Alegria, clássico do homem dos patos, em Papai Noel por Acaso o velho muquirana Patinhas em princípio se recusa a fazer uma doação para o Natal das crianças pobres, mas no final acaba desembolsando milhares e milhares de cruzeiros.
Kato mostrou um Patinhas disposto a gastar o impossível para provar que é o pato mais rico do mundo, e mostrou que a felicidade parece ser o único estado de espírito capaz de tornar o velho generoso.
Papai Noel por Acaso foi republicada em DISNEY ESPECIAL #26 Natal (edição nunca reeditada) e em NATAL DISNEY DE OURO #6.
ZÉ CARIOCA BRASILEIRO
Já na edição de O PATO DONALD seguinte à de sua HQ de estreia, publicou O Caso do Peru de Natal, onde Donald, sobrinhos e Tio Patinhas visitam a recém inaugurada Brasília. E para a edição #434, de 1/mar/60, produziu simplesmente a primeira HQ brasileira estrelada por nosso adorado papagaio, A Volta do Zé Carioca (vista recentemente em DISNEY BIG #4).
E adivinha quem desenhou a HQ que abriu ZÉ CARIOCA #1 (ou melhor, #479) de 10/jan/61? Sim, Jorge Kato. Zé Carioca Contra o Goleiro Gastão ocupou onze páginas do gibi de estreia do papagaio (republicada em AVENTURAS DISNEY #39, out/08). Para quem não sabe, na época O PATO DONALD era semanal, e a partir de janeiro de 1961 passou a "ceder" seus números ímpares para ZÉ CARIOCA, o que ocorreu até a edição #1749, mais de 24 anos depois, quando esses títulos passaram a ter numeração independente.
"ZÉ FRAUDE"
Kato seguiu desenhando HQs exclusivas para o gibi do Zé. Trabalhou também nos remakes de HQs americanas, enxertando Zé Carioca em histórias originalmente feitas por Al Hubbard, Paul Murry, Carl Barks, Tony Strobl... numa fase depois conhecida jocosamente como "Zé Fraude", onde havia mais demanda por produção brasileira do que era possível os então modestos Estúdios Abril entregar.
Nesses remakes, por sinal, surgiriam os sobrinhos de Zé Carioca, justamente para serem desenhados no lugar de Huguinho, Zezinho e Luisinho. Zico e Zeca apareceram pela primeira vez em Os Cavalos Fujões (ZC #565, 4/set/62). Sem falar que às vezes o papagaio aparecia contracenando pura e simplesmente com os sobrinhos do Mickey mesmo (como em Colecionadores de Sorte, ZC #545, 17/abr/62). E até dirigir o carro de Donald ele dirigiu (com a placa "disfarçada": 713! — Trogloditas Famintos, ZC #627, 12/nov/63).
E AINDA..
E certamente você já viu alguma capa desenhada pelo artista: ele produziu centenas delas. Sua última HQ original, O Ajudante, foi produzida para os Studios e saiu primeiro na italiana TOPOLINO #983, de 29/set/74 (por aqui, em O PATO DONALD #1332, 20/mai/77). Por fim, Kato teve uma tira sua publicada especialmente em ANOS DE OURO DO ZÉ CARIOCA #3 (jan/90), com argumento de Carlos Rangel.
JÚLIO DE ANDRADE CONHECE KATO
Por fim, um depoimento de Júlio de Andrade, roteirista e editor, sobre o Mestre. Em sua entrevista para o Planeta Gibi, postada aqui em março, Júlio contou-nos em detalhes seu folclórico primeiro encontrato com Jorge:
"Lá estava eu desempregado, depois de fazer dois anos de Ciências Médicas e Biológicas em Botucatu e depois de ser exonerado do Depto. de Cartografia do Detran. Como eu desenhava desde pequeno e meu sonho era fazer quadrinhos (como tanta gente de minha geração, fui alfabetizado lendo O PATO DONALD), finalmente consegui um contato na Abril: “Vá procurar o Iga”. Lá fui eu com meus trabalhos debaixo do braço. Encostado na porta, vi aquele pessoal debruçado nas pranchetas, vi a qualidade do trabalho deles e pensei “Esquece, nunca terei chances de me igualar a esses caras...”. A secretária da redação veio falar comigo, eu disse que estava procurando o Iga e ela (já instruída em sacanear os novatos, vim a saber muito depois) me disse: “É aquele japonês na salinha do fundo”. Por trás de um biombo com vidros canelados, vi um japonês com os óculos na ponta do nariz, sentado em frente à prancheta mexendo numa arte colorida do Tio Patinhas. Sua mão direita segurava um pincel e o dedo mindinho tinha uma unha enorme que ele usava para raspar o excesso de guache seco que ultrapassara os limites do desenho. Sua mão esquerda segurava um cigarro aceso cuja cinza devia ter uns cinco centímetros e se equilibrava sobre o cinzeiro... sem cair. Fiquei assombrado com aquela imagem e sem coragem de falar, nem de entrar na salinha. Como era aquilo? Como ele conseguia equilibrar a cinza por tanto tempo? Como ele conseguia desenhar e pintar daquele jeito? Finalmente, sem levantar os olhos e falando num tom de voz monocórdico, ele perguntou o que eu queria. Engasguei com o susto dele se dirigir a mim tão de repente, sem se mover, sem deixar a cinza do cigarro cair e sem parar de raspar o excesso de guache da folha de papel... Rasp, rasp! Balbuciei: “S-seu I-Iga... e-eu vim aqui mostrar os m-meus...” Ele me interrompeu, com a mesma voz monocórdica, sem levantar os olhos e sem mexer um músculo: “Eu não sou o Iga. Vá procurar na sala um cara com bigode do Pancho Villa, ele é o Iga”. Pensei comigo que eu estava numa sala de loucos... Um japonês que não era Iga, um mexicano com nome de japonês... Mas fui procurar o Iga (que era o Igayara, claro), que me disse que meus desenhos não tinham nada a ver, mas que eu poderia tentar escrever, e lá fui eu. Saí da sala vermelho de vergonha pelo mico, todo mundo com um sorrisinho na boca do tipo “pegamos mais um, ah ah ah!” mas feliz com a perspectiva de um dia poder realizar meu sonho, o que de fato aconteceu depois."
Por Rivaldo Ribeiro & E. Rodrigues
http://www.planetagibi.net/2011/11/jorge-kato-75-anos.html#more
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Jorge Kato † 75 Anos
Morreu nesta semana Jorge Kato, o precursor dos quadrinhos Disney no Brasil. Kato foi o autor de Papai Noel por Acaso, a primeira HQ Disney feita por um brasileiro, publicada em O PATO DONALD #424, em 22 de dezembro de 1959. E deu vida a mais de uma centena de outras produções semelhantes, trabalhando só ou lado de outros grandes nomes brasileiros, como Ivan Saidenberg, Waldyr Igayara e Júlio de Andrade Filho. O artista foi o primeiro a dirigir a famosa Escolinha Disney, montada pela Abril no início dos anos 1970, cuja missão era formar roteiristas, desenhistas e arte-finalistas para suprir a demanda de produção nacional, e que depois passaria para as mãos de Primaggio Mantovi.
A ESTREIA NOS QUADRINHOS DISNEY
Papai Noel por Acaso é leitura obrigatória para todo fã e leitor de quadrinhos Disney. Mas para encontrar esta raridade é preciso vasculhar sebos e lojas virtuais: há muito tempo ela não é reeditada.
Suas doze páginas impressionam pelo traço. Considerando que se tratava de uma estreia, Kato desenhou os patos muito bem e mostrou que igualmente conhecia Patópolis e seus habitantes. Parecia que o artista vinha para ficar. E ficou, alegrando-nos por muitos anos e grafando definitivamente seu nome na História das histórias em quadrinhos do Brasil.
É lugar comum dizer que muitos artistas bebem na fonte de Carl Barks. Basta dar uma boa olhada, por exemplo, em Os Filhos do Sol, o debut disneyano de Don Rosa, para notar vários quadrinhos inspirados em HQs de Barks — alguns até parecem meras reproduções.
Pois, assim como em O Trenzinho da Alegria, clássico do homem dos patos, em Papai Noel por Acaso o velho muquirana Patinhas em princípio se recusa a fazer uma doação para o Natal das crianças pobres, mas no final acaba desembolsando milhares e milhares de cruzeiros.
Kato mostrou um Patinhas disposto a gastar o impossível para provar que é o pato mais rico do mundo, e mostrou que a felicidade parece ser o único estado de espírito capaz de tornar o velho generoso.
Papai Noel por Acaso foi republicada em DISNEY ESPECIAL #26 Natal (edição nunca reeditada) e em NATAL DISNEY DE OURO #6.
ZÉ CARIOCA BRASILEIRO
Já na edição de O PATO DONALD seguinte à de sua HQ de estreia, publicou O Caso do Peru de Natal, onde Donald, sobrinhos e Tio Patinhas visitam a recém inaugurada Brasília. E para a edição #434, de 1/mar/60, produziu simplesmente a primeira HQ brasileira estrelada por nosso adorado papagaio, A Volta do Zé Carioca (vista recentemente em DISNEY BIG #4).
E adivinha quem desenhou a HQ que abriu ZÉ CARIOCA #1 (ou melhor, #479) de 10/jan/61? Sim, Jorge Kato. Zé Carioca Contra o Goleiro Gastão ocupou onze páginas do gibi de estreia do papagaio (republicada em AVENTURAS DISNEY #39, out/08). Para quem não sabe, na época O PATO DONALD era semanal, e a partir de janeiro de 1961 passou a "ceder" seus números ímpares para ZÉ CARIOCA, o que ocorreu até a edição #1749, mais de 24 anos depois, quando esses títulos passaram a ter numeração independente.
"ZÉ FRAUDE"
Kato seguiu desenhando HQs exclusivas para o gibi do Zé. Trabalhou também nos remakes de HQs americanas, enxertando Zé Carioca em histórias originalmente feitas por Al Hubbard, Paul Murry, Carl Barks, Tony Strobl... numa fase depois conhecida jocosamente como "Zé Fraude", onde havia mais demanda por produção brasileira do que era possível os então modestos Estúdios Abril entregar.
Nesses remakes, por sinal, surgiriam os sobrinhos de Zé Carioca, justamente para serem desenhados no lugar de Huguinho, Zezinho e Luisinho. Zico e Zeca apareceram pela primeira vez em Os Cavalos Fujões (ZC #565, 4/set/62). Sem falar que às vezes o papagaio aparecia contracenando pura e simplesmente com os sobrinhos do Mickey mesmo (como em Colecionadores de Sorte, ZC #545, 17/abr/62). E até dirigir o carro de Donald ele dirigiu (com a placa "disfarçada": 713! — Trogloditas Famintos, ZC #627, 12/nov/63).
E AINDA..
E certamente você já viu alguma capa desenhada pelo artista: ele produziu centenas delas. Sua última HQ original, O Ajudante, foi produzida para os Studios e saiu primeiro na italiana TOPOLINO #983, de 29/set/74 (por aqui, em O PATO DONALD #1332, 20/mai/77). Por fim, Kato teve uma tira sua publicada especialmente em ANOS DE OURO DO ZÉ CARIOCA #3 (jan/90), com argumento de Carlos Rangel.
JÚLIO DE ANDRADE CONHECE KATO
Por fim, um depoimento de Júlio de Andrade, roteirista e editor, sobre o Mestre. Em sua entrevista para o Planeta Gibi, postada aqui em março, Júlio contou-nos em detalhes seu folclórico primeiro encontrato com Jorge:
"Lá estava eu desempregado, depois de fazer dois anos de Ciências Médicas e Biológicas em Botucatu e depois de ser exonerado do Depto. de Cartografia do Detran. Como eu desenhava desde pequeno e meu sonho era fazer quadrinhos (como tanta gente de minha geração, fui alfabetizado lendo O PATO DONALD), finalmente consegui um contato na Abril: “Vá procurar o Iga”. Lá fui eu com meus trabalhos debaixo do braço. Encostado na porta, vi aquele pessoal debruçado nas pranchetas, vi a qualidade do trabalho deles e pensei “Esquece, nunca terei chances de me igualar a esses caras...”. A secretária da redação veio falar comigo, eu disse que estava procurando o Iga e ela (já instruída em sacanear os novatos, vim a saber muito depois) me disse: “É aquele japonês na salinha do fundo”. Por trás de um biombo com vidros canelados, vi um japonês com os óculos na ponta do nariz, sentado em frente à prancheta mexendo numa arte colorida do Tio Patinhas. Sua mão direita segurava um pincel e o dedo mindinho tinha uma unha enorme que ele usava para raspar o excesso de guache seco que ultrapassara os limites do desenho. Sua mão esquerda segurava um cigarro aceso cuja cinza devia ter uns cinco centímetros e se equilibrava sobre o cinzeiro... sem cair. Fiquei assombrado com aquela imagem e sem coragem de falar, nem de entrar na salinha. Como era aquilo? Como ele conseguia equilibrar a cinza por tanto tempo? Como ele conseguia desenhar e pintar daquele jeito? Finalmente, sem levantar os olhos e falando num tom de voz monocórdico, ele perguntou o que eu queria. Engasguei com o susto dele se dirigir a mim tão de repente, sem se mover, sem deixar a cinza do cigarro cair e sem parar de raspar o excesso de guache da folha de papel... Rasp, rasp! Balbuciei: “S-seu I-Iga... e-eu vim aqui mostrar os m-meus...” Ele me interrompeu, com a mesma voz monocórdica, sem levantar os olhos e sem mexer um músculo: “Eu não sou o Iga. Vá procurar na sala um cara com bigode do Pancho Villa, ele é o Iga”. Pensei comigo que eu estava numa sala de loucos... Um japonês que não era Iga, um mexicano com nome de japonês... Mas fui procurar o Iga (que era o Igayara, claro), que me disse que meus desenhos não tinham nada a ver, mas que eu poderia tentar escrever, e lá fui eu. Saí da sala vermelho de vergonha pelo mico, todo mundo com um sorrisinho na boca do tipo “pegamos mais um, ah ah ah!” mas feliz com a perspectiva de um dia poder realizar meu sonho, o que de fato aconteceu depois."
Por Rivaldo Ribeiro & E. Rodrigues